No Dia da Consciência Negra, olhar para a história do Golden State Warriors é também revisitar as raízes sociais, culturais e raciais que acompanharam a franquia desde sua criação.
O time nasceu na Filadélfia, em 1946, cidade com uma das maiores populações negras dos Estados Unidos em números absolutos. Ou seja, o time nasceu em um território profundamente marcado por segregação, resistência, inovação cultural e lutas por direitos civis.
Dessa forma, sua origem ajudou a moldar a identidade de uma equipe que, décadas depois, seria protagonista na NBA. Isso não apenas por seus títulos, mas por sua representatividade e engajamento social com a comunidade local.
Filadélfia: berço do Golden State Warriors e centro histórico da população negra nos EUA
O Golden State nasceu em uma cidade que abriga uma forte e numerosa comunidade negra em sua história. Inclusive, pelo censo americano de 2020, a Filadélfia está entre as 10 cidades com maior população afro-americana do país.
Ainda nas décadas de 1920 a 1940, a população negra já ocupava um espaço expressivo na cidade. Por isso, as tensões raciais, eram profundas. A segregação, o acesso limitado a empregos e educação, e o impacto da Grande Depressão atingiram de forma desproporcional essa comunidade.
Ao mesmo tempo, a Filadélfia era um polo cultural e político negro. Em 1938, por exemplo, Crystal Bird Fauset tornou-se a primeira mulher afro-americana eleita para uma legislatura estadual nos EUA.
Além disso, o movimento literário negro também se fazia presente, com a revista Black Opals, ligada ao Renascimento do Harlem, circulando entre 1927 e 1928. A cidade ainda teve papel importante na Era de Ouro do gospel, atraindo nomes como Dixie Hummingbirds, Sensational Nightingales e Marion Williams.
Foi nesse cenário de luta, afirmação e resistência que o Golden State Warriors nasceu (ainda como Philadelphia Warriors), e sua história se entrelaça com essa realidade desde o início.
Expansão dos Warriors para Califórnia e elo com comunidades negras da Bay Area
A franquia deixou a Filadélfia em 1962 para se estabelecer em San Francisco. Posteriormente, foi para Oakland, em 1971, onde permaneceu por quase meio século, até retornar para San Francisco, em 2019.
Essa migração acompanhou trajetórias de cidades com realidades sociais distintas para a população afro-americana. Enquanto Oakland tem uma das maiores e mais ativas comunidades negras da Bay Area, aproximadamente 25% da população da cidade, San Francisco tem menos de 6% de população negra.
Without Black lives, none of this history would exist.@Chase || #BlackHistoryMonth pic.twitter.com/31k3vbawsV
— Golden State Warriors (@warriors) February 28, 2021
Uma história de resistência em Oakland
Os Dubs se estabeleceram em uma das maiores comunidades negras da Bay Area. No total, somam 1/4 da população de Oakland. E o destaque fica para o bairro de Foothill Square, na parte Leste, onde os residentes negros somam 75,4% dos moradores.
Aliás, Oakland foi historicamente um importante reduto de resistência política. Com destaque para o surgimento dos “Panteras Negras” que, com sua luta e resistência, transformaram a cidade em um marco da busca por direitos civis.
San Francisco: cidade rica, turística, mas marcada pela exclusão negra
Ao contrário da história das outras “casas” do Golden State Warriors, hoje, San Francisco tem menos de 6% de população negra. Por outro lado, 38% das pessoas em situação de rua são afro-americanas, segundo dados de 2022.
Assim, a cidade vive uma crise histórica da presença negra, causada principalmente por:
- Políticas habitacionais discriminatórias,
- Destruição de bairros negros no pós-Segunda Guerra,
- Especulação imobiliária e aumento do custo de vida.
Nesse contexto, a chegada e o posterior retorno dos Warriors a San Francisco também abre espaço para discutir desigualdade, território e representatividade, seja dentro ou fora das quadras. Afinal, uma franquia de raízes negras está ocupando espaços onde há predominância social da população branca.
Representatividade negra: um pilar da história dos Warriors
A trajetória dos Warriors na NBA está profundamente ligada a comunidade negra, não apenas em sua integração com a comunidade, mas também com atletas negros que ajudaram a transformar a história da franquia.
Pioneirismo em quadra
Um marco para a equipe é o ano de 1955, quando Jackie Moore se tornou o primeiro jogador negro da história dos Warriors, ainda na era da Filadélfia.
Era Moderna e Dinastia
Com o passar das décadas, muitos outros jogadores negros foram importantes na história dos Dubs. Mais recentemente, os títulos conquistados entre 2015 e 2022 têm protagonistas negros, como Stephen Curry, Klay Thompson, Draymond Green, Andre Iguodala, Kevin Durant, entre outros.
Inclusive, Draymond Green defende ativamente pautas de equidade racial e moradia digna na Bay Area. Enquanto Stephen Curry fala abertamente sobre racismo e justiça social.
Engajamento Social do Golden State Warriors
Sobre a questão da Consciência Negra, vale lembrar que os jogadores e a direção do Warriors apoiaram publicamente o movimento Black Lives Matter.
Além disso, os Dubs promovem iniciativas educacionais, eventos de conscientização e ações voltadas para diversidade e inclusão. Alguns exemplos são ações sociais com crianças nas comunidades de San Francisco, levando acesso ao esporte.
Assim como, uma série de podcasts, reportagens e programas em suas redes sociais com conteúdos sobre movimentos negros, ativistas e personagens importantes da cultura afro-americana.
Os desafios da comunidade negra americana no esporte
Apesar dos avanços conquistados ao longo das décadas e da maior discussão das questões raciais, os Estados Unidos, e muitos países ao redor do mundo, ainda enfrentam profundas desigualdades, e o esporte não está isolado deste cenário.
Assim, a população negra segue sendo a mais afetada por violência policial, encarceramento em massa, falta de acesso à moradia e disparidades educacionais.
Na NBA, embora os jogadores negros sejam maioria e protagonistas de muitas equipes, a liga ainda convive com debates sobre representatividade em cargos executivos, justiça social e preconceito dentro e fora das arenas.
Os Warriors, inseridos nesse contexto, também convivem com essas tensões. Entre episódios de discriminação enfrentados por atletas até manifestações durante o movimento Black Lives Matter, a franquia se viu obrigada a assumir um posicionamento público mais ativo.
Até porque em uma cidade como San Francisco, marcada pela segregação da população afro-americana, os Warriors carregam a responsabilidade de usar sua visibilidade para enfrentar desigualdades que permanecem vivas no país e na própria Bay Area.
O papel da franquia hoje: esportes como ferramenta de consciência e transformação
No Dia da Consciência Negra, e levando em conta todo o contexto social, político e cultural americano, os Warriors ocupam uma posição singular para fazer a diferença.
Isso porque, são uma equipe de alcance global sediada em uma cidade que enfrenta desafios profundos relacionados à população negra, desde a marginalização histórica até a crise de moradia.
Isso significa que o clube pode atuar como agente transformador, em ações como:
- Ampliar discussões sobre desigualdade racial;
- Dar visibilidade às causas da comunidade negra de São Francisco e do esporte em geral;
- Investir em educação e programas sociais voltados à equidade;
- Promover espaços de pertencimento dentro da arena e na cidade;
- Influenciar a população branca a refletir sobre privilégios e discriminação estrutural.
Por ser uma franquia representativa na NBA, mais do que títulos, os Warriors carregam uma responsabilidade simbólica de honrar sua história ligada a cidades negras. Assim como, usar sua plataforma para construir consciência.
Cabe a torcida e os fãs de esporte em geral observarem se, não só os Dubs, mas todas as equipes da liga, estão realmente promovendo espaços de discussões sobre as questões raciais e de outras minorias sociais.
Golden State Warriors, um legado que ultrapassa o esporte
Do nascimento na Filadélfia segregada à convivência com a cultura negra ativa de Oakland, e agora diante dos desafios sociais de San Francisco, o Golden State Warriors foi moldado por contextos que tornam impossível dissociar sua trajetória da comunidade afro-americana.
E é justamente por isso que, no Dia da Consciência Negra, refletir sobre o Warriors é refletir sobre a importância do esporte como voz, ferramenta de transformação e ponte entre histórias que precisam ser contadas e reconhecidas.
